Seguimos uma tendência do momento: entender o que acontece na sociedade e nos sistemas de produção e distribuição e quais os desafios para a Ciência das Medições. É momento de aprofundar melhor nossa compreensão sobre tudo isso, escapulindo um pouco de certos modismos que surgem. Afinal, hoje em dia quase tudo virou 4.0.
Vivemos numa transição social e econômica que terá efeitos como nunca vistos na história da humanidade. Se é correta essa afirmação, enfrentaremos dilemas não só técnicos ou econômicos, mas científicos e principalmente éticos e morais.
Mas estamos de fato nesse processo de transição? Ou seria mais um alarde desses que aparecem de vez em quando?
Ao responder a estas pergunta,s mas também relacioná-las com o tema escolhido para nosso próximo congresso, penso imediatamente em algo que está bem próximo do nosso cotidiano, de um instrumento que quase todos usamos com enorme frequência. Já incorporado às nossas vidas, um aplicativo de localização e sugestão de rotas, como Waze ou GoogleMaps.
Quando falamos em quarta revolução industrial, algumas definições aparecem: processamento de enorme quantidade de dados, criando informações, resumido na expressão “big data”; internet das coisas, isto é, a comunicação entre sensores; sistemas ciberfísicos, ou seja, sistemas que relacionam sensores, estruturas eletrônicas ou ainda estruturas eletromecânicas com softwares de tomadas de decisões; inteligência artificial, ou seja, sistemas autônomos capazes de aprender a realimentar-se para tomadas de novas decisões, e por aí vai. (aliás, quem nunca se irritou com aquela voz dizendo “recalculando rota”, que a gente tem a nítida impressão de que o aplicativo teria gostado de complementar: “… seu barbeiro… :-o”)
E o que é esse aplicativo que roda silente em nosso smartphone? Sabe onde estamos e é informado para onde queremos ir. A rota sugerida é calculada reunindo enorme quantidade enorme de informações: principalmente rotas e posições de outros veículos. Somos os sensores e produzimos esses dados. Não se trata de calcular um caminho simples, num algoritmo de minimização de trajetória. Trata-se de buscar uma melhor solução para aquele momento. E onde entra a Metrologia? Ora, em todo esse processo. Primeiro precisamos estabelecer nossa localização. E isso requer informações com incertezas relativas em distâncias da ordem de bilionésimos. Isso requer transmissões de dados em frequências da ordem de GHz. Se não tivermos precisão nessas ordens de grandeza, o sistema não funcionaria.
De verdade, já entramos nessa novo processo de transição. E talvez não nos tenhamos dado conta disso. Ainda falamos como se essa quarta revolução fosse algo num futuro, mais ou menos próximo; mas no futuro.
Falamos dessa nova revolução com temores e ansiedade. Fala-se que a atual revolução industrial irá substituir diversas profissões por sistemas automatizados. Muitos empregos serão eliminados. É nisto que está o desafio? Como aconteceram as coisas nas revoluções anteriores?
A primeira revolução industrial representou a superação da produção baseada no trabalho dos músculos pelas máquinas térmicas. Com as máquinas térmicas, novos processos industriais foram construídos e surgiram novos meios de transporte, ligando e trespassando continentes numa velocidade até então inconcebível. Surgiram as fábricas e toda uma nova organização do trabalho. Impérios foram construídos não mais na extração de riquezas naturais, mas na produção de bens. No campo das ciências, construíram-se as bases da Metrologia moderna. Nos finais do século 19, em 1875, foi realizada a Convenção do Metro.
Os avanços tecnológicos levaram à segunda revolução industrial, com as descobertas no campo da eletricidade: novos motores, telecomunicações, iluminação pública. Essa segunda revolução levou à compreensão de que os processos de comércio internacional dependeriam cada vez mais do acordo em torno das definições no campo da Metrologia. É nesse final de século 19 e começo do século 20 que foram criados os primeiros e ainda hoje mais importantes institutos nacionais de metrologia: PTB (Alemanha), NIST (Estados Unidos), NPL (Reino Unido), por exemplo. Compreendia-se que era necessário, para garantir o desenvolvimento industrial do país, ter uma instituição de pesquisa capaz de unir ciência, tecnologia e os interesses industriais.
No âmbito dessa segunda revolução, novas profissões foram criadas. Progressivamente, a força muscular foi sendo substituída por motores. Muitas atividades passaram a ser feitas por sistemas eletromecânicos. E nas comunicações ocorreu um salto sem precedentes, rompendo com as formas de comunicação antigas que demoravam dias e meses, por comunicações instantâneas. Imagine o tempo que demorava uma comunicação entre continentes antes da entrada em operação do primeiro cabo submarino? (por volta de 1870)
A terceira revolução representa um salto importante na integração cada vez maior entre ciência, tecnologia e inovação. A automatização de processos e a introdução da microeletrônica produz enormes saltos de produtividade. Além disso, a globalização da produção passa a exigir melhores medições e processos. Operam-se mudanças fundamentais nos modelos de negócios e nos mercados de trabalhos. Profissões extinguem-se; outras são criadas, exigindo um dinamismo muito maior dos processos de formação de pessoal. É criado o Sistema Internacional de Unidades – o SI, e definições das unidades de base chegam ao nanomundo. As telecomunicações e o mundo da química e da biologia exigem definições mais precisas. Mas ainda resta o kilograma, último baluarte a nos lembrar do século 19.
A terceira revolução produz outro salto e ruptura importantes. Novamente nas telecomunicações. É nos finais da década de ‘60 que surgem os primeiros esboços da internet. Também surgem os primeiros grandes mainframes, que processam informações com capacidade de cálculo de milhares de pessoas. Se alguém quiser ter um bom exemplo, veja o filme “Estrelas Além do Tempo” (Hidden Figures), que retrata a substituição de pessoas responsáveis por realizar os cálculos para a NASA, por um computador. E também a (auto)capacitação de uma engenheira para programar e liderar o time de programadoras…
Não se trata, assim, de fim de profissões ou ocupações. Isso ocorreu em todos os processos de transição. Também nas revoluções anteriores ocorreram rupturas e saltos não previstos nos cenários anteriores. Modelos de negócios e processos produtivos foram substituídos, não por modelos que significassem evolução progressiva dos anteriores, mas por novos cuja formatação não existia nos modelos anteriores.
O que se prenuncia e que não tem precedentes nas revoluções anteriores pode ser resumido em uma palavra: integração. Integração de sistemas e pessoas; de ferramentas e processos. Integração realizada por sistemas autônomos e capazes de aprender e se corrigir. A base para essa integração é a conectividade, que exigirá novas tecnologias de telecomunicações e para as quais novas preocupações surgem. Particularmente em relação à segurança e privacidade.
Sistemas inteligentes e novas tecnologias representam novos desafios para a Metrologia. Integração de sistemas físicos, digitais e biológicos exigem novos materiais de referência, novos processos de avaliação de conformidade. Novos produtos, explorando o mundo quântico, exigirão padrões ainda mais precisos. Deve-se salientar que o último bastião do século 19, o kilograma padrão, passou a ser definido a partir de uma constante fundamental da natureza, própria dos fenômenos quânticos. E é a partir desse universo que a capacidade computacional pode crescer muito mais do que todas as previsões anteriores, com a entrada dos computadores quânticos.
Todo esse novo cenário que se anuncia está a exigir toda uma reformulação nos processos de formação e capacitação. O profissional 4.0 (se me permitem essa forma de expressar) não poderá mais ser aquele técnico que é especialista numa área. Mas que não transita pelo universo criado pela integração de sistemas e pessoas. O novo profissional tem que ser flexível e capaz de ver os problemas e desafios de múltiplas direções.
Como dito por Klaus Schwab, engenheiro e economista alemão, criador do Fórum Econômico Mundial e autor do livro A Quarta Revolução Industrial:
Estamos no início de uma revolução que alterará profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, escopo e complexidade, a quarta revolução industrial é algo que considero diferente de tudo aquilo que já foi experimentado pela humanidade.